sexta-feira, 19 de maio de 2017

Ela e ele

Acabei por achar sagrada a desordem do meu espírito
- Arthur Rimbaud -
 
 
 

Ele se sente atraído por ela como, por Vênus, Adônis

Ela por ele igualmente, mas não sucumbe às suas investidas

Ela é o escudo

Ele, a espada

Ele desbrava

Ela planta

Ele semeia

Ela cultiva

Ele incide

Ela germina

Ele sai para desbravar o mundo, derrubar muros e ferir o alimento

Ela, queda, entrelaça as coisas da vida num tecido mágico

Ele ama a noite mas por ser o dia

Ela ama o dia mas por ser a noite

Ele, o Sol

Ela, a Lua





Um persegue o outro na Eternidade

Como o ouroborus

Ou a escada de Jacob

Que passa pelos mesmos lugares

Porém, cada vez mais altos, em espiral

Nunca alcançou, todavia, a Lua, o Sol em sua plenitude

Assim como o Sol jamais ousou tocar a Lua em toda sua integridade

Eles se encontram precariamente no crepúsculo, quando o Sol, tenaz

Entrega-se ao seu destino

E também na alvorada, quando a Lua capitula-se à sua nova caminhada

Ele cava e alicerça

Ela ajunta e edifica

Ele é o caos

Ela, o recanto

Os dois, a afinação do Lírio que adormece, encanta e exulta




 Ele ri e ela chora

Ele é rígido

Ela é suave




Ele dilata

Ela contrai

Ele discursa

Ela ausculta

Ele destrói

Ela conserta

Ele é o fogo

Ela, a água

O calor tem o poder diairético da seta

O frio tem o aconchego da aljava

E ambos, calor e frio, equilibram-se e geram a vida

Se o fogo mata completamente

A água restaura completamente

Como ele é o vinho

E, ela, a taça

Como ela se embriaga dele

Sendo ele embriagado por ela



Mas, ela o guarda

Ela retém

Ela cuida

Ele transborda o fluido licor de si mesmo

E viola em celeuma o aconchego quedo

Ele é o vento

Ela, a terra

Ele rechaça

Ela acolhe

Ele agride

Ela abraça

Ele é a sentinela que vigia à noite

Ela, o sono sereno que reestrutura o que foi ultrajado

Ele é a vida que mata

Ela é a morte que restaura

Eles encontram-se num instante entre dois nadas

Como génos e phénon

Como a morte constante do Sol que, a cada resfolegar do seu último sopro de vida, alimenta a Terra nos seus últimos movimentos de morte

Ele é a razão que se guia, mas cega aos outros

Ela, o sentimento que liberta

Ele tem a caneta pronta para garatujar

Ela, o papel em branco do qual se fará, o rabisco, existir

Ele, a cara

Ela, a coroa

Ambos, a moeda

Ele, o frontispício

Ela, a sinopse

Ele, páginas ímpares

Ela, páginas pares

Ambos, o livro completo

Como todo organismo janiforme

Ele foge

Ela procura

Ele encontra

Ela esconde

Ele espalha

Ela ajunta

Ele luta

Ela dá forças

Eles não se suportam

Eles se completam

Renascem da contradição

Superego ternário

Coïncidentia oppositorum



Não há equilíbrio absoluto

Há busca

Da busca, o movimento

O movimento busca o equilíbrio

Que gera contradições



A excelência se alimenta da fuligem do próprio barulho

Navega pelas fímbrias da crise e da aflição

E renasce do cúmulo e da inanição

Éclatement



Da demência da ruptura do controle que ameaça guiar-se a si mesmo até a aniquilação

Da loucura o recontrole do sapiens

Quanto mais contradições, mais movimento para descontradição

A homeostase do ser vivente

Quanto mais movimento, mais caminhos descobertos



Ela é o mistério

Ele, o invento

Ela, a Esfinge

Ele, o viajor

Ela é o velho

Ele, o novo

Ambos, o tempo

Do tempo as finitudes contraditórias

Das contradições, o novo

Do novo, a primeira contradição de ter-se, já, tornado velho



A comunhão dura o átimo impossível do eterno instante

Entre um tempo passado e um tempo futuro

No sempre ilusório presente

Num risco que nunca para a ser presente

Como o presente não existe

Por não haver um só instante capaz de não tornar-se, imediatamente, passado

Como o futuro igualmente não existe, pois nunca se encarna em algo verdadeiramente tangível Estando sempre num eterno à frente

Talvez haja apenas passado, ao menos às coisas transitórias desde seus lugares particulares

Em heterogeneidade unitas multiplex

Mas, se o todo não se extingue, por renovar-se na morte e no renascimento axiológicos

Na homogeneidade do mesmo sistema

“Tudo” como “uno”

As mônadas de Leibniz

Então o tempo não existe: nem passado, nem futuro, nem presente

E o tempo do infinito é um eterno “agora”

O illud tempus

Igualmente complexo: forças antagônicas constituintes

E contraditório…



Mas, o tempo caminha sempre nesta esperança

De existir nalgum movimento duradouro

Cuja perenidade está apenas na agonizante insistência



Não há conciliação entre ele e ela

Embora existam pela existência um do outro

É duplo, como todas as forças que movimentam e se movimentam

É ternário como todas as bases

Tem ainda a quaternariedade concêntrica de um mandala

Como são todas as relações complexas dos ciclos completos

Como as estações ou a vida útil completa de um homem: infância, juventude, maturidade e senilidade

É, por fim, múltiplo como o Universo

E esse é seu paradoxo holístico



Um no outro são a mesma coisa na contradição

Um sozinho, é desequilíbrio

Outro sozinho, é desequilíbrio

Mas, a solidão é uma ilusão

É uma nova contradição

Pois só há solidão pela falta de algo

E só há falta de algo se algo inexiste

Algo existindo não pode faltar

Não faltando, não pode haver solidão

O que há é distância

Mas, ninguém pode medir o quão longe devem estar as coisas para que estejam realmente distantes

Estando as coisas sempre juntas

Nas ideias ou na matéria

Existem e se contradizem

É o paradoxo ontológico

Esta é a irônica essência de todas as coisas do mundo

De que tudo existe em tudo

Por tudo

Inseparáveis

Na ilusão da singularidade das coisas

Mas, se é ilusão não pode ser verdadeiro

Se não é verdadeiro, tampouco pode ser contradição de verdade

O que gera uma nova contradição

Isso de gerar nova contradição é coisa de escada em espiral

Isso de não ter conciliação é coisa de paradoxo



Ele morre tão completamente

Ela é o intransigente recomeço

Ambos, o reviver de cada instante

A transformação do mundo sempre novo

Regular, mas nunca o mesmo

O que é um novo paradoxo

Coisa de mundo novo

Regular é ser sempre o mesmo

A não ser que a regularidade esteja na regular mudança das coisas

Mas, não pode haver regularidade na mudança das coisas posto que havendo mudado foi irregular

Então, vem isso de relativismo que evoca o termo “depende”

Mas, isso de “depende” e “irregular” são nomes que damos a coisas que não sabemos explicar

E se a relatividade não existe, assim como a irregularidade, então temos nessa valsa ofídica mais um paradoxo

E, assim, tudo parece querer sair ao mesmo tempo em que junta-se no centro



Epistrophê

Métanoïa

Neguentropia

Vortex



É que uma coisa anula a outra

Para depois renascerem juntas

Sendo tudo a mesma coisa



O paradoxo da vida é que tudo tem dois lados

Sendo tudo de um lado só



Ele, se desperta no colo dela

Ela adormece em seus braços




- Danillo Macedo -  



 

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