quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Ela e Ele


Declamação para o dia da poesia, TV UFG: https://www.youtube.com/watch?v=D1peN0HQtAE

Acabei por achar sagrada a desordem do meu espírito
- Arthur Rimbaud -



Ele se sente atraído por ela como, por Vênus, Adônis
Ela por ele igualmente, mas não sucumbe às suas investidas
Ela é o escudo
Ele, a espada
Ele desbrava
Ela planta
Ele semeia
Ela cultiva
Ele incide
Ela germina
Ele sai para desbravar o mundo, derrubar muros e ferir o alimento
Ela, queda, entrelaça as coisas da vida num tecido mágico
Ele ama a noite mas por ser o dia
Ela ama o dia mas por ser a noite
Ele, o Sol
Ela, a Lua
Um persegue o outro na Eternidade
Como o ouroborus
Ou a escada de Jacob
Que passa pelos mesmos lugares
Porém, cada vez mais altos, em espiral
Nunca alcançara, todavia, a Lua, o Sol em sua plenitude
Assim como o Sol jamais ousou tocar a Lua em toda sua integridade
Eles se encontram precariamente no crepúsculo, quando o Sol, tenaz
entrega-se ao seu destino
E também na alvorada, quando a Lua capitula-se à sua nova caminhada
Ele cava e alicerça
Ela ajunta e edifica
Ele é o caos
Ela, o recanto
Os dois, a afinação do Lírio que adormece, encanta e exulta
Ele ri e ela chora
Ele é rígido
Ela é suave
Ele dilata
Ela contrai
Ele discursa
Ela ausculta
Ele destrói
Ela conserta
Ele é o fogo
Ela, a água
O calor tem o poder diairético da seta
O frio tem o aconchego da aljava
E ambos, calor e frio, equilibram-se e geram a vida
Se o fogo mata completamente
A água restaura completamente
Como ele é o vinho
E, ela, a taça
Como ela se embriaga dele
Sendo ele embriagado por ela
Mas, ela o guarda
Ela retém
Ela cuida
Ele transborda o fluido licor de si mesmo
E viola em celeuma o aconchego quedo
Ele é o vento
Ela, a terra
Ele rechaça
Ela acolhe
Ele agride
Ela abraça
Ele é a sentinela que vigia à noite
Ela, o sono sereno que reestrutura o que foi ultrajado
Ele é a vida que mata
Ela é a morte que restaura
Eles encontram-se num instante entre dois nadas
Como génos e phénon
Como a morte constante do Sol que, a cada resfolegar do seu último sopro de vida alimenta a Terra nos seus últimos movimentos de morte
Ele é a razão que se guia, mas cega aos outros
Ela, o sentimento que liberta
Ele tem a caneta pronta para garatujar
Ela, o papel em branco do qual se fará, o rabisco, existir
Ele, a cara
Ela, a coroa
Ambos, a moeda
Ele, o frontispício
Ela, a sinopse
Ele, páginas ímpares
Ela, páginas pares
Ambos, o livro completo
Como todo organismo janiforme
Ele foge
Ela procura
Ele encontra
Ela esconde
Ele espalha
Ela ajunta
Ele luta
Ela dá forças
Eles não se suportam
Eles se completam
Renascem da contradição
Super-ego ternário
Coïncidentia oppositorum
Não há equilíbrio absoluto
Há busca
Da busca, o movimento
O movimento busca o equilíbrio
Que gera contradições...

A excelência se alimenta da fuligem do próprio barulho
Navega pelas fímbrias da crise e da aflição
E renasce do cúmulo e da inanição
Éclatement

Da demência da ruptura do controle que ameaça guiar-se a si mesmo até a aniquilação
Da loucura o recontrole do sapiens
Quanto mais contradições, mais movimento para descontradição
A homeostase do ser vivente
Quanto mais movimento, mais caminhos descobertos...

Ela é o mistério
Ele, o invento
Ela, a Esfinge
Ele, o viajor
Ela é o velho
Ele, o novo
Ambos, o tempo
Do tempo as finitudes contraditórias
Das contradições, o novo
Do novo, a primeira contradição de ter-se, já, tornado velho...

A comunhão dura o átimo impossível do eterno instante
Entre um tempo passado e um tempo futuro
No sempre ilusório presente
Num risco que nunca para a ser presente
Como o presente não existe
Por não haver um só instante capaz de não tornar-se, imediatamente, passado
Como o futuro igualmente não existe, pois nunca se encarna em algo verdadeiramente tangível 
Estando sempre num eterno à frente
Talvez haja apenas passado, ao menos às coisas transitórias desde seus lugares particulares
Em heterogeneidade unitas multiplex
Mas, se o todo não se extingue, por renovar-se na morte e no renascimento axiológicos
Na homogeneidade do mesmo sistema
“Tudo” como “uno”
As mônadas de Leibniz
Então o tempo não existe: nem passado, nem futuro, nem presente
E o tempo do infinito é um eterno “agora”
O illud tempus
Igualmente complexo: forças antagônicas constituintes
E contraditório...
Mas, o tempo caminha sempre nesta esperança
De existir nalgum movimento duradouro
Cuja perenidade está apenas na agonizante insistência...

Não há conciliação entre ele e ela
Embora existam pela existência um do outro
É duplo, como todas as forças que movimentam e se movimentam
É ternário como todas as bases
Tem ainda a quaternariedade concêntrica de um mandala
Como são todas as relações complexas dos ciclos completos
Como as estações ou a vida útil completa de um homem: infância, juventude, maturidade e senilidade
É, por fim, múltiplo como o Universo
E esse é seu paradoxo holístico...

Um no outro são a mesma coisa na contradição
Um sozinho, é desequilíbrio
Outro sozinho, é desequilíbrio
Mas, a solidão é uma ilusão
É uma nova contradição
Pois só há solidão pela falta de algo
E só há falta de algo se algo inexiste
Algo existindo não pode faltar
Não faltando, não pode haver solidão
O que há é distância
Mas, ninguém pode medir o quão longe devem estar as coisas para que estejam realmente distantes
Estando as coisas sempre juntas
Nas ideias ou na matéria
Existem e se contradizem
É o paradoxo ontológico
Esta é a irônica essência de todas as coisas do mundo
De que tudo existe em tudo
Por tudo
Inseparáveis
Na ilusão da singularidade das coisas
Mas, se é ilusão não pode ser verdadeiro
Se não é verdadeiro, tampouco pode ser contradição de verdade
O que gera uma nova contradição
Isso de gerar nova contradição é coisa de escada em espiral
Isso de não ter conciliação é coisa de paradoxo...

Ele morre tão completamente
Ela é o intransigente recomeço
Ambos, o reviver de cada instante
A transformação do mundo sempre novo
Regular, mas nunca o mesmo
O que é um novo paradoxo
Coisa de mundo novo
Regular é ser sempre o mesmo
A não ser que a regularidade esteja na regular mudança das coisas
Mas, não pode haver regularidade na mudança das coisas posto que havendo mudado foi irregular
Então vem isso de relativismo que evoca o termo “depende”
Mas, isso de “depende” e “irregular” são nomes que damos a coisas que não sabemos explicar
Mas, se a relatividade não existe, assim como a irregularidade também não, então temos nessa valsa ofídica mais um paradoxo
E, assim, tudo parece querer sair ao mesmo tempo em que junta-se no centro

Epistrophê
Métanoïa
Neguentropia
Vortex

É que uma coisa anula a outra
Para depois renascerem juntas
Sendo tudo a mesma coisa...

O paradoxo da vida é que tudo tem dois lados
Sendo tudo de um lado só...

Ele, se desperta no colo dela

Ela adormece em seus braços...


- Danillo Macedo -


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